Exposição relâmpago realizada em 2023 na pinacoteca Barão Santo Ângelo do Instituto de Artes UFRGS (Porto Alegre/ RS) em conjunto com o trabalho de conclusão de curso de Céu Isatto
O Arco de Mercúrio
(Texto por Céu Isatto)
Um ano é definido como a translação do planeta terra ao redor do sol, seu arco completo. O sentido desse termo e nossa percepção de tempo — a medição da memória e das ações que ocorrem nesse espaço cronológico — são ancorados nesses processos cíclicos de movimento dos astros e dos fenômenos observáveis da maneira como a luz solar atinge o planeta que habitamos.
Ao deslocar para outros contextos, todavia, qual seria o sentido dessa palavra — tão comum e corriqueira — para descrever o fluxo desse tempo? Ao entender que o tempo é relativo dependendo da velocidade e massa ou que, ao me mudar para outro planeta — Plutão, Netuno, talvez Marte ou Urano —, o meu significado para a palavra “ano” talvez mude também.
Onde há significado pontes são içadas, traduções criadas e improvisos devem ser feitos. Coincidência são as sinapses criadas pelo inesperado. Tudo pode se conectar a tudo; mas é necessário escolher, quais rumos tomar e tecer as teias com as próprias mãos. É disso que se trata improviso: o ato de incorporar o inesperado, de ancorar o significado no contexto vivo que ele se insere.
No entanto, não há aqui o sentido da gambiarra nesse improviso; não é apesar dos inesperados que a exposição “O Arco de Mercúrio” foi montada, mas sim justo por tais inesperados que sua potência se tornou possível. O improviso não é um erro que deve ser eliminado, mas sim o significado como bola de neve; incorporando tudo em seu caminho; se tornando cada vez mais e mais volumoso.
Os saltos foram feitos, as coincidência traçadas com o que foi dado e as conexões, cada vez mais e mais absurdas, foram achadas — como um jogo, um exercício lúdico — para montar essa junção aqui presente de obras: a pintura de fósforo do lado do extintor de incêndio, os spots de iluminação com suas configurações da última exposição mantida, o prego preso na parede incorporado junto ao martelo da montagem e a gigantesca câmera de segurança da pinacoteca junto à uma obra com a foto do mesmo dispositivo. Tudo se articula em conjunto nesse pequeno monstro montado e desmontado ao longo de cinco horas em eficiência e eficácia; como o planeta mais rápido do sistema solar e o deus romano associado à velocidade.
O nome dado após o final da apresentação também achado pelo acaso: oitenta e oito dias foi a duração da parte final de meu trabalho; entre a apresentação da banca e desde que voltei da cidade de São Paulo; uma translação completa do planeta Mercúrio, seu arco completo ao redor do sol.
É a partir do entortamento da palavra “ano” para outro contexto que achamos um significado maior para esses improvisos, ruídos e coincidências; algum significado vai ser encontrado e novas sinapses serão feitas; mesmo que seja — lúdica e arbitrariamente — nos absurdos, nos farelos de poeira ou nos astros.